sábado, 11 de março de 2017

silogismos da enxada

quem se importa com a aporia de meus segundos psicóticos
ou
com a fadiga de meus cílios saudosistas?

imaginar-se mortinho da cruz
com uma ostra em que eu assinei bêbado
ocultando minhas vergonhas

qual santo cortou sua língua e dela fez um banquete para os mendigos?

sentir-se mortinho da cruz
com uma maça-do-amor amordaçando meus dentes

percebi que o metrô é um estrangeiro no terceiro mundo quando descobri que lá mendigar é proibido

ver-se mortinho da cruz
black tie a là rigor mortis

sonho com policiais me revistando
nem sempre tenho medo
e nem sempre parece assédio sexual

ouvir-se mortinho da cruz
com gases e vermes ronronando em meu templo

não parir palavra com a boca por cinco dias
e cinco noites
não escrever palavra com os dedos

cheirar-se mortinho da cruz
formol & tabu

abraçar meus ossos abúlicos
como um bikhu num yabyum

degustar-se mortinho da cruz
inchado azedomargo

tatuar a palavra TALVEZ na testa

ruminar-se mortinho da cruz
sem talheres nem dentes nem garganta nem tripas
 
alguns policiais sonham comigo
seu medo fora do coldre
eu: um marco horizontal

saber-se mortinho da cruz
surfando na sesta ébria da inexistência

perscruto o teto frágil
me lembro que nunca transei sóbrio, enterro outra lágrima natimorta

o que é a vida senão uma sucessão de suicídios?

ray cruz

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