segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Soneto insondado

Carinhos enlutados
Medos enlatados
Fígados flagelados
Segundos cravados

Em outro abraço 
Vazio, como este maço 
De cicatrizes, linhas e traços 
Que recheio de erros crassos

Para doar com desdém 
Ao próximo ninguém
Que ver um pouco além

Do sorriso fatigado 
Deste idiota embriagado
Com a vulgaridade de seu Fado. 

ray cruz

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Du'Art

hoje, enquanto eu caminhava sedento, digerindo a necessidade de consolidar uma autoimagem e uma auto-estima positivas o suficiente para me permitir viver, um estranho me chamou.
quando me aproximei de sua casa, que consistia em uma mini-barraca improvisada com uma lona preta, que mais me parecia um enorme saco de lixo, ele me ofereceu um terço de uma barra derretida de chocolate.
pega ai, vamo dividir o pão, toma uma cachaça ai também.
valeu mano, mas eu queria era água mesmo, cê tem água ai?
respondi mordiscando educadamente a barra derretida.
tem, pega ai na minha casa, tá desse lado ai atrás.
ah, tu mora aqui?
moro. esses dias me roubaram um monte de coisas, colchão, coberta, um monte de coisas, mas eu acho tudo de novo.
é foda vey.
ao enfiar minha mão na porta de papelão não encontrei nada além do nada que preenche minha cabeça de vento, então espiei
e vi além do piso de chão cru, uma daquelas embalagens de desinfetante caseiro.
achou não?
não, acho que tá do outro lado.
pera ae.
aqui ó, pega um copo ai, bebe a água, depois bebe a cachaça.
encontro um pedaço de mini-PET verde, derramo as folhas secas, e despejo a água da embalagem de desinfetante caseiro que agora me lembra recipiente de posto de gasolina. bebo pelo menos uns dois copos daquela água quase morna, porém deliciosamente refrescante e depois tento dosar um gole da caninha.
valeu. eu tô tentando parar de beber.
eu parei tem algumas horas.
que massa, tu que fez?
falo apontando prum belo quadro, feito em um pedaço de qualquer coisa como madeirite envolta num tecido branco imundo, duma mulher garatuja triste com batom vermelho, lábios, vermelhos grossos, sanguíneos e descendentes, olhos abissais, seus cabelos pareciam linhas sinuosas que terminavam em espirais.
é sim, falta terminar ai eu vou entregar prum hippie fazer uns detalhes e dar pra uma mulher.
tu é hippie?
infelizmente não.
tu toca algum instrumento?
rs não, eu só estudo na unb. a única coisa que eu sei fazer é ler um livro e tentar entender ele.
eu conheço um lugar ali ó, na rua " que não me lembro" perto do "esqueci o que" onde trabalham com livros, tenta arrumar emprego lá, cê deve conseguir.
eu só estudo mesmo.
vai lá.
é que eu recebo umas bolsas pra estudar.
eu gostei muito do teu quadro, se pah tu faz um pra mim?
mas com certeza eles devem te contratar. vou começar a trabalhar lá semana que vem. já tá tudo certo. eu mexo com isso, aponta pro quadro e começa a escrever: arte eu, eu trabalhava numa gráfica, era engenheiro e mecânico, conserto peças.
aponta pra sucata em volta da casa e pra uma caixa de ferramentas igual a uma que meu pai tinha, quando eu tinha pai.
se eu tivesse grana compraria um quadro dele, penso eu. o alambique meio amarelado era dos bons, penso em seguida.
tu mora aqui?
sim, eu moro aqui, mas vou morar com a zenia lá "não me lembro onde", e tu mora onde?
eu moro em são sebastião, sabe onde é?
eu conheço, já passei por lá.
massa. qual o seu nome?
Du'Art.
Ray.
acho que...
tu faria um quadro desse pra...
vou bem ali...
ah, eu vou nessa.
eu também. vou ali no banheiro.
falou, vey, valeu, eu volto aqui depois.
ai me dá esse quadro?
pode ficar.
falou.
falou.
sigo caminhando e agradecendo as deusas pelo anjo que saciou minha sede e ainda me deu chocolate e cachaça e um quadro. essa com certeza foi a melhor coisa do meu dia. começo a rir sozinho.
continue falando com estranhos. falo sozinho.
talvez eu devesse ser amigo dele. não. a ultima vez que tentei ser amigo de um morador de rua aparentemente com problemas na cachola, terminei descobrindo que ele agrediu uma hippie. não vou mais encher marmita pro Fóton ou escutar ele falar do deus sol e esse cara pode fazer a mesma coisa. talvez. mas não devo esperar que ele seja alguém ruim. já estou indo na terapia pra parar de achar o tempo inteiro que as pessoas vão me fazer mal. talvez eu devesse comprar um quadro dele e lhe pagar um corotezinho. provavelmente eu nem verei mais ele. ele desenha bem. não vou encher marmita pra ele. seguiremos com nossas vidas de merda. ele lá, eu aqui ou vice versa. talvez ele seja o Basquiat de Brasília, mas eu não sou Andy Warhol.


ray cruz

terça-feira, 10 de outubro de 2017

CFT

para minha Volúpia Sardônica

você me deu mais
que cantadas de motorista,
escovas de dentes
e aquelas dezenas de livros
bem mais que a assinatura invisível
de um contrato impalpável
e as chaves do Nirvana efêmero
que repousa nas fractais
de nossas nano-mortes

você descobriu que nossos umbigos
tem o mesmo formato de bunda
tua existência sintropia a minha

quando pensei que ninguém quereria
o tomate podre, roxo, sanguíneo e pulsar
que habita a cela de minhas delgadas costelas

você trocou seu
tomate machucado, violeta, sanguíneo e quasar
pelo meu

você me entregou seus
lindos olhos que me somam um outro eu
e em troca eu te ofereço os meus.

ray cruz

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

confissão pública

eu queria matar alguém.
não disse quem.
pode ser eu,
pode ser você,
ou pode ser ninguém.
ok, mas quem é quem.?.
quando começar a feder,
alguém descobre alguém.

ray cruz
a cada 30 segundos

eu sonho suicídios. eu profecio suicídios. eu enforno suicídios. eu tropico suicídios. eu enveneno suicídios. eu vejo suicídios. eu respiro suicídios. eu como suicídios. eu passeio suicídios. eu abraço suicídios. eu visto suicídios. eu enforco suicídios. eu desenho suicídios. eu cheiro suicídios. eu mastigo suicídios. eu caminho suicídios. eu choro suicídios. eu transfiguro suicídios. eu clareio suicídios. eu ensaio suicídios. eu afogo suicídios. eu cavo suicídios. eu cumprimento suicídios.

não obstante, Kazuo Ishiguro ganha o nobel de literatura, Malala Yousafzai vai estudar em Oxford, Eduardo Cunha é condenado a 15 anos de reclusão por três crimes, Suzane von Richtofen é tietada e parada para selfies durante saídas temporárias

eu amo suicídios. eu concorro suicídios. eu odeio suicídios. eu canto suicídios. eu cago suicídios. eu injeto suicídios. eu coço suicídios. eu esmurro suicídios. eu tateio suicídios. eu hiberno suicídios. eu enceno suicídios. eu mascaro suicídios. eu vendo suicídios. eu invoco suicídios. eu aborto suicídios. eu dropo suicídios. eu mijo suicídios. eu camuflo suicídios. eu crio suicídios. eu pulo suicídios. eu colo suicídios.eu acerto suicídios. eu sussurro suicídios.

não obstante, José vai ao Samba, Silvio Santos transforma notas de sem em aviãozinhos, Narcisa Tamborideguy ganha outro reality, Maria assiste a novela.

eu acaricio suicídios. eu fabrico suicídios. eu compreendo suicídios. eu quebro suicídios. eu mato suicídios. eu bebo suicídios. eu trago suicídios. eu danço suicídios. eu construo suicídios. eu medito suicídios.eu leio suicídios. eu cofio suicídios. eu beijo suicídios. eu sigo suicídios.eu castro suicídios. eu escuto suicídios. eu compro suicídios. eu queimo suicídios. eu limpo suicídios. eu atiro suicídios. eu masturbo suicídios. eu cromo suicídios. eu contagio suicídios.

não obstante, ainda estudo no 24º melhor curso de filosofia, na 9º melhor universidade do único país que conheço e ainda como de graça, tenho um terapeuta e tenho uma renda fixa de um salário minimo mensal.

eu dirijo suicídios. eu sinto suicídios. eu creio suicídios. eu abandono suicídios. eu prego suicídios.

não obstante, ainda tenho pelo menos 3 livros quase prontos pra tentar publicar e mais dois quase feitos pra ousar terminar e ainda tenho 4 BFF e uma namorada e ainda tenho uma casa pra morar e um quarto só meu.

eu pontuo suicídios. eu amamento suicídios. eu erro suicídios. eu suicido suicídios. eu ressuscito suicídios.
é tanta vida, que eu nem sei o que é que morre
imagina quem já viveu?

ray cruz