quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

eu juro que não ia entrar

      quando entrei no bar, ignorando todos os bêbados estúpidos, suas amigas rapidamente me encurralaram aos gritos.
     "ei! ei! não entre lá!" Ágatha disse apontando para o quarto.
"eu não ia entrar lá."
    tentei desconversar fitando a divisória de pvc e caminhando na direção do fogão.
    jantei. Ágatha me ofereceu queijo, pouco antes de entrar no banheiro com o Galego.
       será que eles transariam mesmo com a porta sem tranca ou só cheirariam um pó?
     os melhores prazeres são temperados com o risco.
     Janaina, outra amiga dela novamente me alertou:
   "ei não entra no quarto, sua mãe ta ficando com um homem lá." 
       ela estava demorando demais pra quem apenas acendia uma vela pra pombagira e outra pro santo.
      cerca de 5 cigarros depois, um branquelo sapecado sai do quarto, com a mão no cós da calça. minha mãe vem atrás com o cabelo louro oxigenado, todo eriçado denunciando que ela não tinha grana pra alisa-lo de novo. seu rosto corado fofoca que ela está de fogo.
        peço o carregador do celular e ela me segue até o quarto.
lá dentro, puxa uma nota de cem do sutiã e comenta:
     "que homem abusado, só me deu cem conto."
        a única coisa que passa pela minha cabeça é que eu não pagaria nem 5 reais pra comer uma quarentona gorda, com canelas de sariema.
      ela me manda lavar os copos e diz que não vai sair mais e daqui a pouco vai fechar o bar.
ufa! não preciso mais fingir que sou um barman simpático enquanto ela se diverte. roubei dois litros de cachaça dela na quinta passada.
       o que a consciência pesada não nos obriga a fazer para simular alguma redenção?
        saio pra comprar cigarro em outro boteco. aviso que vou embora e o cara do quarto pergunta se eu procurava gatinhas.
         emudeço e aponto o cigarro aceso na direção de seu queixo. minha mãe responde por mim e fala do cigarro a poucos centímetros de seu rosto queimado pelo álcool e por algumas horas a mais no sol.
      amanhã ela vai pagar as contas sem precisar trabalhar até tarde. provavelmente até compre os remédios do meu irmão esquizofrênico e idiota.
       a nota de cem, o abuso. e os dois litros que roubei. e o litro que quebrei bêbado na quinta. e a latinha de proibida. ela sabe. ele sabe. todos ali sabem: eu sou um filho da puta.

Ray Cruz

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