eu juro que não ia entrar
quando entrei no bar, ignorando todos os bêbados estúpidos, suas amigas rapidamente me encurralaram aos gritos.
"ei! ei! não entre lá!" Ágatha disse apontando para o quarto.
"eu não ia entrar lá."
tentei desconversar fitando a divisória de pvc e caminhando na direção do fogão.
jantei. Ágatha me ofereceu queijo, pouco antes de entrar no banheiro com o Galego.
será que eles transariam mesmo com a porta sem tranca ou só cheirariam um pó?
os melhores prazeres são temperados com o risco.
Janaina, outra amiga dela novamente me alertou:
"ei não entra no quarto, sua mãe ta ficando com um homem lá."
ela estava demorando demais pra quem apenas acendia uma vela pra pombagira e outra pro santo.
cerca de 5 cigarros depois, um branquelo sapecado sai do quarto, com a mão no cós da calça. minha mãe vem atrás com o cabelo louro oxigenado, todo eriçado denunciando que ela não tinha grana pra alisa-lo de novo. seu rosto corado fofoca que ela está de fogo.
peço o carregador do celular e ela me segue até o quarto.
lá dentro, puxa uma nota de cem do sutiã e comenta:
"que homem abusado, só me deu cem conto."
a única coisa que passa pela minha cabeça é que eu não pagaria nem 5 reais pra comer uma quarentona gorda, com canelas de sariema.
ela me manda lavar os copos e diz que não vai sair mais e daqui a pouco vai fechar o bar.
ufa! não preciso mais fingir que sou um barman simpático enquanto ela se diverte. roubei dois litros de cachaça dela na quinta passada.
o que a consciência pesada não nos obriga a fazer para simular alguma redenção?
saio pra comprar cigarro em outro boteco. aviso que vou embora e o cara do quarto pergunta se eu procurava gatinhas.
emudeço e aponto o cigarro aceso na direção de seu queixo. minha mãe responde por mim e fala do cigarro a poucos centímetros de seu rosto queimado pelo álcool e por algumas horas a mais no sol.
amanhã ela vai pagar as contas sem precisar trabalhar até tarde. provavelmente até compre os remédios do meu irmão esquizofrênico e idiota.
a nota de cem, o abuso. e os dois litros que roubei. e o litro que quebrei bêbado na quinta. e a latinha de proibida. ela sabe. ele sabe. todos ali sabem: eu sou um filho da puta.
Ray Cruz
Fiquei com pedras na boca do estômago.
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