domingo, 8 de janeiro de 2017

alea jacta est

"procura debaixo da cama cara. tu vai achar em algum lugar."

"já procurei ontem."

"eu só passei ai, vi a porta aberta e encostei."

"droga."

ela se aproximou lentamente e beijou seu rosto esboçando um sorriso tímido.
"ICH TU' DIR WEH"
Till Linderman berrava no alto falante do celular.
saindo do box do banheiro sua silhueta ampulhetava todos os minutos restantes do roteiro curto de uma vida mais curta ainda.
a porta aberta ovacionava aquela meia garrafa de cantina das trevas que se destacava da meia dúzia vazia.
começando a aparar os pelos com uma daquelas minitesouras de cortar unha. aquelas que os maconheiro adoram usar pra dechavar. Raimundo imagina a lombra que a queratina do seu corpo deve produzir. olhos fechados. mãos trabalhando. boca salivando.um verdadeiro barato.
sente uma resistência incomum em um corte simples. seguida de uma breve coceira.
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!
MERDAA!!! CARALHOOO!!! DESGRAÇA!!! PORRAAA!!!
Raimundo olha pra baixo sem imaginar o quanto é lesado. procura seu pênis entre o tapete vermelho que cresce a sua frente.
procura dentro da latrina, atrás dela e do lado do ralo do banheiro que puxa lentamente seu tapete.
alguns erros bobos mutilam sua auto imagem para sempre. alguns segundos depois e você não consegue cogitar continuar respirando. os pulmões pútrefos começam a encenar a dor que deveria residir abaixo da virilha em uma tentativa falha de catarse.
Raimundo olha a tatuagem de uma tesoura aberta entre uma highway pontilhada em seu pulso esquerdo.
pensa em cortar a jugular e descobre que perdeu a tesourinha.
corre para o quarto e só encontra ajuda na meia garrafa de vinho barato. quando não há saída é preciso correr contra a parede. até abrir um buraco nela ou na sua cabeça.
com o nariz quebrado, o supercílio aberto e a testa sangrando, Raimundo não sente falta dos seus dentes. apenas a dor faz falta nesses momentos. afinal, todos sabemos que nos piores segundos de nossas vidas, estaremos sozinhos até que a eternidade se dilua na intensidade do limite de entropia que nossos corpos e mentes são capazes de suportar.
o mundo começa a dançar cada vez mais rápido.
"mau...dito...vinho"
talvez os últimos dias comendo apenas pão em uma única refeição tenham contribuido. Raimundo apaga.
3:45 acorda suado. o ventilador cedeu ao próprio peso como um enforcado. Raimundo sorri sem graça e olha pra porta. começa a procurar a chave.
no dia seguinte conta o fato ao hoteleiro.
ele lhe manda procurar novamente e avisa que vai  descontar uma diária.
daqui dois dias Raimundo não vai ter dinheiro pra sua única refeição diária de pão, nem onde dormir.
Raimundo termina de beber o restante do litro de vodca e sai para jogar na loteria.
alea jacta est.

Ray Cruz

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