domingo, 1 de janeiro de 2017

alforria

gotas rubras escorrem pela pele arrepiada. vidro nenhum resiste, quando o coração quebra. Raimundo sempre odiou assustar as pessoas. assustado demais para ousar assustar. o calor vermelho desenha afluentes entre os pelos do seu antebraço.
a camisa embranquecida pelo sal e pelo sol parece cada vez menor. como uma segunda pele imitando a primeira. os olhos nublados profetizam uma chuva ácida.
Luiz observa atrás de sua habitual cortina de fumaça. algumas cenas queimam mais que churrasco de bêbado.

"obrigado por tornar a minha vida ainda mais difícil"

"me procure, quando quiser se decepcionar."

evitando pisar em cima de uma cueca suja aqui e outra acolá, Raimundo atravessa o quarto com a mesma coragem do primeiro homem que atravessou o deserto do Saara.
Solidão é o nome da sombra que segue seus passos. desde o maldito dia que sua mãe ouviu seu choro pela primeira vez.
Luiz conta alguns grãos de poeira no chão. os ratos em cima da pia disputam os restos com as baratas e os tapurus. os gatos ensaiam uma orgia no telhado. a  lua holofota dois mendigos trepando sem KY.
Raimundo para ao lado de Luiz. unge seu rosto magro com o carmesim de seus dedos. o silêncio tagarela os palavrões mais criativos que a lingua jamais imaginou.
ele avisou que aconteceria. sempre aconteceu. Raimundo fechou os olhos e rasgou o véu em duas partes. não há armários que ofusquem o brilho de um sorriso enlutado.

Ray Cruz

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